A saúde ginecológica da mulher lésbica ainda é um assunto pouco debatido nos grandes meios. Somos marginalizadas e temos poucos estudos sobre o que realmente nos acomete. Em outras palavras, a mulher lésbica é deixada a própria sorte quando falamos sobre prevenção e saúde. Além disso, nossa sexualidade é entendida como tabu, sendo mais difícil de falar sobre ela com médicos e enfermeiros, criando um ciclo de violência gerado pelo medo de sofrer alguma ofensa dos mesmos. Pensando sobre isso e sobre as nossas experiências pessoais, o ODE resolveu conversar com a enfermeira Thabata Zamboli Fontana que, além de profissional da saúde, também é sáfica.
Como uma médica ginecologista deve agir com
uma paciente lésbica?
Não existem protocolos que norteiem e auxiliem os
profissionais de saúde a realizar o atendimento da mulher lésbica, geralmente
espera-se que os profissionais tenham sensibilidade de observar a singularidade
desta população e aborde situações específicas que ocorrem entre mulheres que
fazem sexo com mulheres (MSM).
Por exemplo, uma
mulher lésbica que nunca foi penetrada, deve fazer o Papanicolau?
Toda mulher que possua vida sexual ativa, independente da
sua sexualidade ou orientação sexual deve realizar o exame de Papanicolau.
E quais as perguntas
que devem ser feitas sem que ela se ofenda?
Inicialmente, o profissional precisa fazer com que seu
paciente se sinta confortável para falar sobre sua intimidade e abordar a
pessoa sem o viés do preceito intrínseco, pois em nossa sociedade falocêntrica,
as mulheres que quebravam o padrão do relacionamento heteronormativo se tornam
invisíveis aos olhos da sociedade. Algumas perguntas, no geral, são idênticas,
pois fazem parte da avaliação geral da saúde, mas a pergunta sobre com quem essa
mulher se relaciona sexualmente é fundamental, assim como saber se a paciente
tem conhecimento sobre as ISTs e as possibilidades de prevenção
Ainda sobre
ginecologia, quais são as maiores divergências da saúde da mulher lésbica para
a da mulher heterossexual?
A maior divergência entre essas duas mulheres é a liberdade
que a segunda tem para falar sobre sua vida sexual, diferente da primeira, que
muitas vezes já de início não sente a mesma liberdade para conversar sobre sua
sexualidade, embora historicamente seja um tabu fala sobre as relações sexuais,
mesmo durante um atendimento de saúde.
Existem exames
específicos para só algum desses grupos?
Não existem exames específicos para cada um dos grupos, pois
ambas estão suscetíveis às ISTs e ao câncer de colo de útero, pois independente
da sexualidade o que aumenta o risco de transmissão das doenças está
relacionados às práticas sexuais, ao número de parceiros e ao uso de métodos de
prevenção
O que a mulher
lésbica precisa saber para "exigir" na hora de se consultar com uma
ginecologista?
Primeiramente deve exigir respeito e uma postura
profissional e ética do profissional que está realizando o atendimento. Muitos
profissionais ainda acreditam que uma mulher só perde a virgindade quando ela é
penetrada por um pênis, e não acreditam que possa ocorrer a transmissão das
ISTs, quando na verdade, ela deixa de ser “virgem”, a partir do momento que
começa a praticar atividades sexuais, independentemente de haver penetração ou
não.
Mesmo que o profissional atendente diga que não existe a
possibilidade de pegar alguma doença, deve exigir a realização do exame de
Papanicolau (geralmente os ginecologistas e enfermeiros acreditam que uma
mulher que se relaciona com outra mulher não corre o risco de desenvolver
câncer de colo de útero por HPV ou outras doenças sexualmente transmissíveis),
a realização de exames como ultrassom e mamografia (com a idade preconizada
pelo Ministério da Saúde), se desejar ser mãe pela via biológica, tem direito a
ser encaminhada ao ambulatório de infertilidade de referência do município onde
reside.
Sobre prevenção de
IST
Qual é a infecção
mais comum entre as mulheres lésbicas?
Neste momento nosso país vive uma epidemia de sífilis, mas
outras doenças como a herpes genital, condiloma (lesões provocadas pelo HPV na
vulva), HIV, infecções como trichimonas, gaardnerella – que são provocadas por
bactérias que causam inflamação no canal vaginal e coolo do útero e provocam um
corrimento fétido e dores no momento da relação sexual, hepatites, entre muitas
outras.
Qual é o tratamento
para essas doenças?
Para a Sífilis, o tratamento é realizado com injeções de
antibiótico, onde a dose a ser administrada depende do estágio da doença,
algumas lesões como feridas e verrugas são cauterizadas (queimadas) pelo
médico, outras precisam de intervenção cirúrgica, doenças como HIV e Hepatites não tem cura e é necessário que se
faça acompanhamento pelo resto da vida, os corrimentos são tratados com pomadas
e/ou antibióticos orais, que são definidos no momento do atendimento – nenhum
dos tratamentos deve ser feito sem a supervisão de um profissional de saúde
pois todo medicamento tem contraindicações e apenas o profissional de saúde-
médico ou enfermeiro pode definir qual o melhor método.
Existe algum dado
estatístico sobre isso? E, sobre mais temida das infecções, o HIV, ele é tão
presente na vida da mulher lésbica e bissexual quanto é para o homem gay?
Não existe uma informação clara que identifique a orientação
sexual das mulheres quando estas são notificadas com alguma IST, nem estudos
específicos que possam levantar claramente esta informação. Existem poucos
estudos que nos indiquem quais as infecções mais predominantes nas MSM, assim
como existem poucos estudos que falem sobre a singularidade destas mulheres.
Com relação ao HIV, sabe-se que a transmissão entre homens é
mais fácil pois o atrito do pênis na mucosa anal pode provocar microfissuras,
que facilita o contato com o sangue contaminado, quando o sexo é realizado sem
a utilização de preservativo. Na mulher, este risco é menor, mais ainda existe,
e existe um risco ainda maior no período menstrual, onde há uma maior passagem
de sangue pelo genital. Embora o risco de infecção pelo HIV seja menor, ele
existe.
Existe alguma
diferenciação de doenças mais contraídas por mulheres bissexuais?
Infelizmente, pelos mesmo motivos citados anteriormente, não
existe um campo específico obrigatório para o preenchimento da orientação
sexual da mulher no momento da notificação da IST, que possa nos dar essa
informação com segurança. Para complementar, realizando uma busca na internet
sobre estudos focados em MSM, os resultados foram insatisfatórios, pois existem
pouquíssimas pesquisas sobre o assunto, e a maioria dos estudos e pesquisas
realizadas fora desenvolvidas por enfermeiros, psicólogos ou profissionais de
outras ciências humanas, podemos ver que existe interesse no assunto, mas as
MSM ainda são invisibilisadas perante a sociedade, tendo a sua saúde limitada
as políticas de saúde reprodutiva focada mas mulheres heterossexuais.
Sobre prevenção:
Até hoje, os métodos
de prevenção que me foram sugeridos foram irreais, como plástico filme, por
exemplo. Existe algum método de prevenção realmente tangível para a comunidade
sáfica? Porque, antes de fazer essas perguntas, conversei com algumas amigas e,
infelizmente, nenhuma delas nunca usou nada para prevenir o contágio com
qualquer IST. O que algumas delas faz é o acompanhamento regular no CTA, mas
só.
O CTA é de extrema importância pois é reconhecidamente um
ambiente onde toda a população que foge da heteronormatividade será acolhida,
sem distinção, diferente do que acontece na maioria dos serviços de saúde. O
acompanhamento regular com a realização de testagem para as principais ISTs é
de extrema importância, assim como todas as orientações por eles fornecidas,
inclusive com a dispensação das medicações do PREP e do Pré-EP, que são formas
de prevenção medicamentosas para antes e após exposição a situações de risco.
Com o apoio e como uma demanda trazida pelo CMLGBT, da
necessidade desta população receber o atendimento adequado que necessita, há
cerca de 2 anos começaram uma capacitação com as UBS do município para que os
servidores das unidades de saúde pudessem acolher essa população da maneira
mais adequada possível e embasada em conhecimento científico, infelizmente no
momento todas as propostas estão paradas, impactando, negativamente, na vida de
toda a população LGBTQIA+ do município
O que você
verdadeiramente sugere?
Bom, não existe até o momento um “preservativo” específico
para MSM, o que existe é uma adaptação do preservativo masculino e o
preservativo feminino, que foi desenvolvido inicialmente para a prevenção de
gravidez e ISTs numa relação sexual hétero.
Antigamente a orientação do papel filme era bastante
difundida, mas hoje já se tem a comprovação de que a porosidade do plástico
filme é grande, e não promove uma proteção efetiva. O preservativo masculino
pode ser usado para relações onde há a utilização de packers, ou brinquedos
sexuais, e devem ser trocados sempre que o brinquedo for usado em pessoas
diferentes;
O preservativo feminino consegue ser um pouco mais prático,
pois é introduzido diretamente na vagina, e por ter uma área externa maior,
protege toda a região da vulva, logo promove uma maior proteção, podendo ser
utilizada para penetração com objetos sexuais, dedos, e para a relação vulva
com vulva, sem contar que como possui uma borda um pouco mais firme, auxilia no
prazer sexual pois promove mais atrito na região do clitóris;
Já o preservativo masculino adaptado serve como uma barreira
de proteção externa para a relação vulva com vulva e para o sexo oral;
Eu, como profissional e como MSM, sugiro o uso do
preservativo feminino, por ser mais prático e não necessitar de adaptações, mas
para mulheres que não conseguem e se sentem mal com penetração ode qualquer
tipo, sugiro o preservativo masculino adaptado.
A adaptação do preservativo masculino é feita da seguinte
forma: abre-se o preservativo, e o corte no sentido do comprimento, abre-o, e o
coloque sobre a região genital.
Outra informação importante é a necessidade de ter sempre as
unhas bem cortadas e lixadas, para que as mesmas não provoquem microfissuras na
região genital e aumentem a possibilidade de transmissão de ISTs, assim como as
mãos sempre limpas, a fim de evitar outras infecções oportunistas, carregadas
por sujidades presentes nas mãos
E, por fim, o que
você sugere para a mulher que está começando agora sua vida sexual com
mulheres? Quais os primeiros passos para fazer tudo do jeito certo?
Primeiramente, que a mulher conheça o próprio corpo, pois se
conhecendo saberá seus limites e evitará situações abusivas onde suas vontades
serão suprimidas pelo “conhecimento” de uma mulher mais experiente.
Embora não existam muitas alternativas de proteção contra
ISTs, é importante se proteger e utilizar o preservativo feminino ou a
adaptação do masculino, independente de conhecer ou não a pessoa com que
realizará o ato sexual, nós nuca sabemos o passado da pessoa e das pessoas com
quem ela se relacionou. Higiene sempre, banho, mãos lavadas, unhas cortadas,
ambientes limpos.
Não tenham vergonha de ter dúvidas, nós nunca sabemos de
tudo, não acredite em tudo o que lê na internet, tem muita coisa boa, mas tem
muita coisa errada, sempre procure um profissional de saúde sempre que perceber
algo diferente com seu corpo.
Sei que muitas vezes não será bem acolhida no serviço de
saúde, que muitas pessoas são “velhas”, retrógradas, ignorantes, grosseiras,
preconceituosas, mas não desistam, se não deu certo com um profissional,
procure outro, procure outro serviço ou unidade de saúde.
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