Afeto para mulheres lésbicas: reflexão


Cresci achando que casamento não era para mim e que meu destino era ser só. Naquele momento, eu entendia o afeto apenas na forma heterossexual e é engraçado pensar nisso agora, porque eu sempre almejei ser quem eu sou, mas eu apenas não sabia ainda. Eu não queria estar em um enlace "tradicional", não me via com marido e filhos, achava que o casamento não era para mim e, de fato, naqueles moldes, não era.
Depois, meu pensamento sobre afeto mudou. A culpa cristã chegou com força. "Você não vai ser feliz e nem sentir o amor, porque ele é errado, seu amor é errado. Você não merece ser feliz", era só sobre isso que eu pensava por um período relativamente longo. Lembro-me de uma noite que chorei até amanhecer pensando nisso. Mas eu ainda estava muito longe de entender quem eu realmente era.
Finalmente me aceitei. E agora? Minhas referências eram nulas. Os filmes diziam que eu ia morrer ou que ela ia me deixar. O Google só me apresentava pornografia irreal. Eu só fui entender o afeto entre mulheres lésbicas quando cheguei na vida adulta. E não, esse afeto não era direcionado a mim. Muito pelo contrário, ele demorou. Ele demorou muito.
Apaixonei-me pela primeira vez, não foi recíproco e eu entendi ali que para ser amor, precisava doer. Aquela voz, bem no fundo, me dizia ainda que era culpa do meu "amor errado", que era uma punição. Certa vez, eu, vivendo meu período na heterossexualidade compulsória, pedi para Deus para ser capaz de amar. E quando me machuquei pela primeira vez, aquele amor doeu. O afeto sempre vai doer? Essa era a resposta da minha oração?
Demorei algum tempo para me recuperar, mas consegui, consegui me consertar e finalmente viver o amor. Não era possível que aquele amor não fosse para mim também. Dizem que ele floresce nos lugares mais impossíveis e eu não era tão indigna de afeto, era?
E esse novo amor chegou. E me fez sentir coisas que eu não tinha sentido até então. Era um amor de serviços. Eu fazia o possível e o impossível para ela não ir embora, eu tentava ser a minha melhor versão todos os dias para que eu fosse digna do amor dela também. Hoje entendo que essa relação foi pautada no racismo e no elitismo, que o que eu passei, é o um cenário provável que a mulher preta pode viver quando se relaciona com uma mulher branca. Mas na época, para mim, aquilo parecia amar. Eu precisava implorar por aquilo, eu precisava fazer com que ela ficasse. Mas ela não ficou.
Ela foi. E depois de eu me esforçar tanto, ela foi. O que seria suficiente se aquilo era o melhor que eu tinha para dar? E eu quebrei. Eu quebrei como nada tinha me quebrado antes, porque eu voltei a acreditar que para mim não tinha final feliz. Final feliz tinham as brancas classe média que estavam sempre cantando aos ventos seus amores. Final feliz não era uma coisa acessível para mim.
Naquele momento, eu pensei e concluí que nunca tinha ouvido um "eu te amo" recíproco. Eu amei, mas não me amaram. Pensei assim por muito tempo. E decidi, novamente, que o melhor era estar só. Não queria me reduzir para caber só lado de ninguém. Não usaria da minha sanidade metal para fazer alguém ficar.
Porém, quando eu não estava esperando, o amor chegou. E, pela primeira vez, eu entendi que o amor deveria reparar. O amor de iguais. O amor saudável demorou, mas ele chegou. Ele é leve, não dói e é, de longe, o sentimento mais nobre que já senti e que sentem por mim. É uma troca de  cuidado, respeito Ninguém é difícil demais de ser amado; amor não é feito para doer. Quando a culpa se vai, a dor e o rancor, o que floresce é o amor.
E, de tudo isso, eu tiro algumas lições que acho válidas: 1) os filmes estão errados, você foi feita para ter final feliz. 2) não diminua para caber na vida de ninguém, você é um universo incrível que merece ser cultuado. 3) preste a atenção nos espaços que você quer florescer o seu amor, porque nem sempre esse espaço está pronto para você. 4) você merece o amor, independente da sua cor, raça, credo, peso ou qualquer coisa que te faça única. Todas nós ainda vamos achar esse amor que nos cabe. Só não se esqueça que você é digna do amor, carinho e afeto. E vai ficar tudo bem.

Comente!

Postagem Anterior Próxima Postagem